segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A "imbecilização" da sociedade - PARTE XIII: Panis et Circenses

O Império Romano existiu no período entre 27 a.C. e 395 d.C. O fato de essa poderosa autocracia ter atingido extensas faixas territoriais em torno de todo o mar Mediterrâneo e ter durado muito tempo fez com que a cultura romana tivesse considerável influência sobre o desenvolvimento dos idiomas, religião, arquitetura, filosofia, direito e formas de governo nos território governados. Essa influência estendeu-se a todo o mundo posteriormente com o expansionismo europeu, em especial o continente Americano. 

Uma das heranças que temos hoje dessa época é a política do pão e circo - panis et circenses.  Na época, os romanos tinham 182 dias por ano para desfrutarem de solenidades e espetáculos que envolviam lutas de gladiadores, corridas e encenações. Para cada dia útil, um ou dois dias de feriado. Esses espetáculos sempre tinham a presença do "todo poderoso" imperador, ovacionado e respeitado por todo o público. Essas cerimônias tinham origens religiosas e por essa razão o público tinha muitas regras de etiqueta a cumprir, sendo que sequer sabiam por que as cumpriam. Prisioneiros de terras distantes eram introduzidos nas grandes arenas, provando o poderio do Império, ao mesmo tempo em que o Imperador estava sempre ali, presente diante dos olhos do seu povo. Para completar, distribuía-se pães mensalmente no Pórtico de Minucius. E com essa estratégia bem consolidada, o Império Romano durou quatro séculos, com o "apoio" do seu povo que se manteve sempre ocupado e contente o bastante para querer contestar alguma coisa. Dessa forma o governo conseguiu manipular a plebe a seu gosto, e a manteve afastada de questões sociais e da política. Não foi por nada que esse império foi tão influente na história da humanidade. 

Saindo do passado e se dirigindo diretamente ao futuro, as perspectivas em nada se alteram. A obra "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley é apenas um exemplo. Sua narrativa explana uma sociedade futurística na qual o governo possui o controle sobre absolutamente tudo, todas as coisas se tornam previsíveis e a população vive um torpor eterno, quase como se estivesse anestesiada, convencida de que é realmente feliz. A droga soma está disponível para uso livre, e faz qualquer indivíduo sentir-se nas nuvens e fugir de todos os problemas e dores. Parece mesmo que os romanos descobriram a mais eficaz de todas as formas de controle da população: fazendo-a estar ocupada e alienada o suficiente para que não se intrometa nos interesses governamentais. 

Basta analisarmos um pouco o panorama atual da sociedade para chegar à constatação de que a política do pão e circo continua viva e cada vez mais forte. O capitalismo é um sistema tão voraz que obriga cada cidadão a dar muitas horas diárias de seu suor em troca de uma bonificação que irá torná-lo ainda mais refém do sistema. Logo, é uma necessidade trabalhar e trabalhar cada vez mais, preferencialmente estudar e ainda tem que ter tempo para cuidar da casa e uma série de outras coisas. Queira ou não, o sistema está sugando e cegando cada um de nós, literalmente. Quem segue suas regras não tem tempo para nada e acha estar sendo feliz com isso, quem não segue essas regras possui lapsos de infelicidade material, uma infelicidade que também escraviza no mesmo sistema. Mas essa é a forma como cada um busca seu pão de cada dia, que aparenta ser cada vez mais fácil graças ao crescimento das vagas de trabalho e do desenvolvimento econômico. Só que este pão está cada vez maior, visto que estamos sempre descontentes e ávidos pelo consumo desenfreado, sendo escravos por completo desse sistema. O sistema social atual permite o livre acesso ao "pão", contanto que se sigam as regras do sistema (e quando se fala em REGRAS, não se tratam apenas de LEIS). Seguir essas regras é um tanto trabalhoso, não há tempo ou condições psicológicas para raciocinar outra coisa, o que dizer se "incomodar" com a sociedade.

Além disso, hoje em dia temos uma poderosa mídia para distrair a população (inclusive os que trabalharam o dia todo) com novelas, desenhos, filmes e outros. Essa mesma mídia promove reality shows para que muitas pessoas tenham com o que se preocupar, para que preocupem-se em como estarão os "heróis" enclausurados de Pedro Bial. Ela também promove o esporte da maneira mais capitalista possível, de modo que ele se traduza não em um espetáculo, mas em algo que se assiste unicamente para defender o time pelo qual se torce, que é um pedacinho do ego de cada um, queira ou não. Pra completar, os noticiários, jornais e tantos outros divulgam aquilo que é conveniente, com as insinuações e versões que lhes são convenientes sem qualquer preocupação com a imparcialidade. E ao falar do Governo, fazem duras críticas acerca de coisa muito pequenas perto do que realmente acontece, e em lugar de dar um sentimento de revolta ao povo e ser um instrumento para promover a revolta, simplesmente coloca o Governo em um lado e a população em outro, dando a entender que o povo não tem que se estressar e perder seu tempo com o Governo. A população tem o péssimo hábito de jogar todo e qualquer tipo de responsabilidade para cima do Governo, até mesmo coisas que dizem respeito a sua vida pessoal. E cria-se uma marasmo, a população tem problemas demais mas não se envolverá com as questões sociais por que não é responsabilidade sua. Perdeu até mesmo a capacidade de se revoltar diante das injustiças. Não são mais capazes de fazer justiça com as próprias mãos, negam auxílio para uma pessoa necessitada mas gastam uma fortuna para eliminar uma pessoa de um reality show. Nem mesmo dos jovens é possível esperar algum tipo de revolta. Agindo sem qualquer responsabilidade, sem se preocupar com o futuro e tendo acesso a todo o tipo de balada, bebida alcoólica e sexo banal, o resto do mundo que se exploda. Eis o circo formado, para entreteter e desviar o foco daquilo que realmente é importante.

Para esse circo ficar mais animado, temos as bebidas alcoólicas e os entorpecentes. A única diferença entre um e outro, diga-se de passagem, é a legalização governamental. As bebidas são uma verdadeira mina de ouro, o Governo arrecada milhões por meio dos impostos pesados sobre elas. Pudera, deveria tirar ainda mais. E deveria também legalizar os entorpecentes, a altíssimas taxas de impostos, pois seria a única forma de controlar seu consumo que já é exorbitante, mas ninguém quer enxergar. Queira ou não, são drogas parecidas com a soma de Aldous Huxley, utilizadas para fugir dos problemas, esquecer deles, relaxar. Quando se tem acesso a essas drogas, para que irá se lutar ou se incomodar diante de qualquer outra coisa? Mais fácil perder o controle sobre si mesmo, não é?

Completando o ciclo do pão e circo, temos grandes festas populares enraizadas na nossa cultura, e o Carnaval não deixa de ser uma delas. Mesmo que nossa sociedade esteja carente de serviços tão básicos como educação, saúde e saneamento básico, vultosas quantias de dinheiro são despendidas imediatamente e sem qualquer impedimento. Enquanto milhares de professores, policiais, médicos e tantos outros profissionais sobrevivem com um salário minguado e uma estrutura sucateada de trabalho, o Carnaval recebe verbas rápidas e sem a mesma burocracia que envolve o aumento do salário desses importantes profissionais. Mas não é difícil entender essa verdadeira inversão de valores: é necessário deixar o povo se divertir, a educação e a saciedade das necessidades básicas ficam a segundo plano, pois ambas constituem seres humanos inteligentes demais que por hora vão representar atravancos ao sistema governamental. O Governo não quer formar pensadores, detesta formadores de opinião e não faz a mínima questão de investir nessa área, mas deposita cada um de seus centavos para manter o povo alienado e "feliz". Uma felicidade que envolve músicas de baixa qualidade, promiscuidade, sexo sem segurança e sem pudor, violência, mortes banais, acidentes graves de trânsito, roubos, saques e uma série de sequelas irreparáveis. Fica implantado o clima do "oba-oba" e a sensação de que temos dias sem lei. Os prejuízos aos cofres públicos, seja envolvendo sequelas de acidentes, DSTs, novos bebês, lixo, policiamento e inúmeros outros vão muito além dos ganhos. E nada se acrescenta de bom para a sociedade. O mais interessante é que, ao assistir a um noticiário nessa época só ouvimos falar no dito cujo Carnaval, como se o mundo inteiro tivesse parado para as festividades. Nota-se comportamento semelhante em outros feriados e datas comemorativas durante o ano nas diversas regiões do país, com destaque para as festas de final de ano, cada vez mais carnavalescas. 

Diante desse cenário, o que nos resta, mais uma vez? Claro, o bom senso. Temos sim que garantir o "pão nosso de cada dia", mas sem nos deixar escravizar por essa fonte de sustento. Temos sim que ter momentos de diversão e alegria na vida para alimentar o nosso espírito, mas feliz daquele que faz isso todos os dias sem ter que esperar o Carnaval. Felizes os que não precisam perder a noção e o controle sobre si mesmos. Não precisamos fugir da realidade para desfrutar o que ela oferece de melhor. Não precisamos nos tornar imbecis cordeirinhos do Governo e seguir as tendências fazendo o que a mídia propaga e aparentemente todo mundo gosta. Estar em paz com sua consciência e agir sempre com responsabilidade vai fazer a diferença em todas as áreas da vida, potencializando ainda mais momentos verdadeiramente felizes e valiosos. E mais do que isso, diante de tudo aquilo que nos descontenta, façamos o vital exercício de usar as próprias mãos.  

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